Vasco Martinha, 23 anos, Praia de Carcavelos. Vasco Martinha, 23 anos, Praia de Carcavelos. Foto: Arquivo Pessoal sexta-feira, 06 outubro 2017 15:51

Vasco Martinha

Conversa agradável sobre o mundo do surf…

 

Fomos até à Linha de Cascais, à Praia de Carcavelos, onde encontrámos Vasco Martinha. Confere já o que este valor do surf nacional nos contou. 

 

Nome?

Vasco António Martinha.

 

Idade?

23 anos.

 

Praia local?

Carcavelos.

 

Estudos?

Formado em Ciência Política e Relações Internacionais. Atualmente a fazer o Mestrado de Gestão da Universidade Católica Portuguesa.

 

Anos de surf?

13 anos.

 

Quiver?

De momento com cinco pranchas - 5.8, 5.10, 6.0, 6.1 e 6.3; todas elas shapeadas pelo Zé Raimundo da Burst Surfboards.

 

“Qualquer que seja o teu humor ou estado de espírito,

o surf fará com que saias da água sempre uma pessoa melhor do que quando entraste”

 

 

Porque escolheste praticar surf?

O Surf tem esta particularidade engraçada de servir como uma válvula de escape ao quotidiano, qualquer surfista (de verdade, não de verão ou de fim de semana) já sentiu isto. Independentemente de qualquer situação que estejamos a presenciar na nossa vida, o surf permite-nos de certa forma abstrair-nos e transcender essa realidade, ou seja, qualquer que seja o teu humor ou estado de espírito, o surf fará com que saias da água sempre uma pessoa melhor do que quando entraste. Tem quase um carácter religioso, uma sensação de “alma purificada”. Foi isso que me tornou obcecado, não só esta qualidade de transcender a realidade de onde estejamos inseridos, mas também o facto de haver sempre margem para melhoria, visto que apesar de ser um desporto por vezes frustrante, é também o que providencia as sensações mais gratificantes do mundo!

 

Pico preferido?

Em Portugal, quando a minha casa (Carcavelos) está de gala, não existe qualquer outro lugar do mundo onde eu preferisse estar. O último inverno em casa deu-me vários momentos de alegria dos quais não esquecerei tão cedo. Quanto a nível internacional, Desert Point (Indonésia) quando está com o swell e direção certas, é muito difícil de ser superado, Também fui muito feliz por lá este ano. Na verdade, Desert não é o meu lugar preferido do Mundo somente pela sua onda quilométrica ou pelos 10 tubos que se podem dar numa onda, mas também porque tem um ambiente claramente diferenciado. Não temos qualquer tipo de rede naquela região por um raio de 10 km, e aquela zona não é propriamente luxuosa (risos), o que acaba por obrigar as pessoas a pôr os telemóveis de lado e a interagir umas com as outras, o que é algo que já não se presencia com muita frequência nos tempos que correm. Grande parte da malta que lá está veio pelas mesmas razões: meter para dentro de “salões” incríveis e celebrar a vida no final do dia, sempre de Bintang (cerveja local) na mão.

 

“[o Surf] é um dos desportos que providencia

as sensações mais gratificantes do mundo”

 

 

Última surfada memorável que tenhas feito?

Tenho várias surfadas memoráveis, aliás, grande parte das melhores memórias da minha vida foram passadas dentro de água. Mas agora que penso, tenho uma memória muito viva de uma surfada épica recente. O meu amigo carioca Wayan e eu a surfar Uluwatu este ano num final de tarde. O mar estava bom e grande, fartámo-nos de dar tubos, e a certo ponto escureceu e ficámos só nós os dois na água durante uns vinte minutos (algo raro em Bali). Lembro-me bem de estarmos os dois a berrar e a uivar de felicidade já de noite cerrada, apesar de não conseguirmos ver os sets a aproximarem-se (risos). Foi um momento especial de felicidade genuína.

 

Maior susto?

Nunca apanhei um “grande” susto, tenho que começar a surfar mares maiores, aí podem voltar a fazer-me esta pergunta (risos).

 

Última viagem de sonho?

Bali, Lombok, Sumbawa 2017. Um mês inteirinho a explorar as ilhas de mota com os meus amigos. Mochilas às costas e pranchas presas às motas. Raspámos muita lima nas costas, tomámos muito imodium (risos) e dormimos ao lado de ratos. Testemunhámos muita pobreza e desgraça, daquela que nos relembra da nossa pequenez e impotência como seres, o que acaba por nos ensinar aquelas que são muitas das vezes as maiores lições da vida. Experienciámos o que qualquer país de terceiro Mundo faz a uma pessoa: calibrar a perspetiva e aprofundar a nossa gratidão. Demos os tubos das nossas vidas, alguns ficaram registados, a maioria ficaram gravados nas nossas memórias. E, acima de tudo, bebemos muita Bintang e partilhámos memórias para a vida.

 

“Para mim [o free surf] vai mais em linha 

com o que eu acredito que seja a alma do desporto”

 

 

Competição ou free surf?

Apesar de respeitar a vertente de competição do surf, a qual é a principal responsável pela evolução do desporto, acho de certa forma que a mesma acaba por ser incoerente com a essência do desporto (se é que se possa chamar surf de desporto). Surf não é quem consegue dar full-rotations numa onda de 0.5m, ou assina contratos milionários com uma bebida energética. Nem tão pouco é feito de pranchas cheias de autocolantes, fatos fluorescentes ou putos cheios de ego. Isso é futebol ou fórmula 1. Daí simpatizar mais com o free-surf, pois para mim vai mais em linha com o que eu acredito que seja a alma do desporto. Desde que comecei a surfar até aos dias de hoje que ganho mais pica a ver grandes filmes de surf (Passion-pop, Triology, Campaign, etc) do que a ouvir o Joe Turpel ou o Martin Potter com os seus discursos politicamente corretos no webcast da WSL. Dito isto, seria hipócrita dizer que não vibro com várias etapas do WT, as últimas em J-Bay e Lowers foram sensacionais!

 

Como está o surf atualmente?

A resposta a esta pergunta vai de certa forma em linha com o que já havia sido previamente mencionado por mim. A meu ver, estamos a atravessar uma fase altamente paradoxal. Nunca na história deste desporto tivemos uma curva de progressão tão acentuada devido à profissionalização e industrialização do mesmo, enquanto que temos a decorrer em simultâneo o corrompimento da essência deste produto que estamos a explorar. Surf é um conceito abstrato que para mim está diretamente associado a simplicidade, plenitude, coexistência e harmonia com a natureza, e é, acima de tudo, um desporto despretensioso e autêntico. Tudo o que têm vindo a fazer nos últimos anos de modo a maximizar a exploração económica do surf acaba por interferir e desvirtuar os valores basilares do mesmo. Aumentas as escolas de surf, crias piscinas de ondas, aumentas o crowd e confusão dentro de água, aumentas as selfies pós-surf. Tudo isto me dá enxaquecas, sobretudo sabendo que as perspetivas não são as melhores. Por isso, sinceramente, não sei que resposta dar a esta pergunta, visto que é bastante debatível. No fundo, é como em tudo na vida, tem os seus prós e contras, e cada pessoa terá uma opinião de acordo com o que melhor se identifica.

 

“A realidade é a de que já existem demasiados problemas

no mundo para que o nosso quotidiano se torne num também”

 

 

Quem é a tua grande inspiração nacional e internacional?

Tenho várias nos dois panoramas. No nacional tenho o João de Macedo e o António Silva (PG power) como grandes inspirações, provavelmente devido ao facto de ter crescido a vê-los a dar tubos na Praia Grande. São duas das pessoas mais casca-grossas que já conheci e acredito que merecem muito maior reconhecimento do que o que atualmente têm. A nível internacional, sou muito fã dos clássicos como o Andy, Rastovich e Bobby, não devido apenas ao seu surf, mas por transmitirem ideais e formas de estar com as quais sempre me identifiquei. Sou também fã da geração mais recente, de surfistas como o Torren Martyn ou o Yago Dora, a abordagem que eles têm na onda deixa-me feliz e com vontade de ficar na água o dia inteiro!

 

Mensagem a deixar?

Não se levem tão a sério, não é como se fossemos sair vivos deste jogo que é a vida. Guardem os egos e presunção para dentro e tentem amplificar a vossa simpatia e humildade. A sério, tentem praticar este exercício num registo diário que a médio prazo trará resultados. A vida passará diante dos nossos olhos, e quando dermos por nós já estaremos próximos do fim, sendo que a ideia certa será a de acumular o máximo possível de memórias positivas para mais tarde recordar. Certamente soará a um discurso idealista utópico, mas a realidade é a de que já existem demasiados problemas no mundo para que o nosso quotidiano se torne num também. A boa energia é altamente contagiante. 

 

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Obs.: Todas as imagens de arquivo pessoal.

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