A seção de speedies, em G Land, tornou-se lendária e é uma das mais assustadoras e simultâneamente apaixonantes que o Surf já conheceu! (Créditos - Surf Camp Indonesia) A seção de speedies, em G Land, tornou-se lendária e é uma das mais assustadoras e simultâneamente apaixonantes que o Surf já conheceu! (Créditos - Surf Camp Indonesia) quinta-feira, 26 maio 2022 15:59

Uma Descrição Real e Apaixonada sobre a Baía de Grajagan

"sentimos uma energia solidária entre todos, emerge uma missão militar, o compromisso de surfar uma das ondas mais desafiantes do planeta sobrevivendo no meio do mato".

 

Porto de Bali 5h15 da manhã, percorro a areia suja e escura da praia arrastando as pranchas até as casotas de palha onde os sorridentes locais comerciantes já lá estão a vender comida antes de embarcarmos, bananas, amendoins, sumos e água muita água.No meio da neblina cinzenta e fosca matinal descasco uma banana e procuro mirar sem sucesso o barco que nos leva ao sul da Ilha de Java.
O embarque é apenas ás 6h, mas já lá estão alguns surfistas, anestesiados de sono mas sem disfarçar a ansiedade do momento, fico em silêncio e em expectativa, até fazer conversa com o recém chegado Justin Mc Garthey, natural da Califórnia já com os seus 40 e muitos anos acabado de vir da noite infernal de Kuta, acelarado pela circunstâncias da noite descreve me com paixão a experiência do que já viveu em G-Land há uns anos atrás.


Finalmente no barco, sento-me ao lado de pai e filho, típicos australianos loiros com 39 e 18 anos respetivamente, Kalan Halford o pai de temperamento calmo mas conversador relata de forma entusiástica as suas anteriores expedições à baía de Grajagan, por sua vez o seu filho de trato fácil e curioso, procurava saber tudo sobre as ondas portuguesas, observar pai e filho fez me sentir que dentro desta expedição havia outro sonho ainda maior, o sonho de poder um dia fazer o mesmo com o meu filho, só por isso, o de imaginar esse sonho maior, a minha empatia pela familia Halford começou logo aí…


No interior do barco encontravam-se de forma caótica todas as pranchas, protegidas da água que o vento ajudava a salpicar para dentro onde estava também Márcio Faria, surfista natural de Florianópolis que no meio dos saltos irregulares e enjoativos da embarcação, dormia como se estivesse na suíte presidencial do Carlton…

A chegada ao Parque Natural de Grajagan, parecia uma missão, o poder assombroso da selva, e o esmagamento da natureza perante o homem, sentimos uma energia solidária entre todos, emerge uma missão militar, o compromisso de surfar uma das ondas mais desafiantes do planeta sobrevivendo no meio do mato com os nossos companheiros, gera um espírito de união como de soldados se tratassem, é a eles que nos agarramos é com eles que procuramos sobreviver, só unidos poderemos suportar a imensidão desta selva.
Por outro lado imaginei logo como seria a aventura de Gerry Lopez no inicio da década de 70 a Grajagan, sobreviver aqui sem surfcamps, surfar sozinho estas ondas mágicas, a comida transportada e contada para os dias da expedição, a forma como retinha a água para beber devido ao calor intenso e que rapidamente se foi, fazendo com que Gery Lopez e os seus companheiro utilizassem a vela do barco para recolha da água das chuvas, Nick Carrol explica no filme Metaphysical a beleza e complexidade do ecossistema deste local que nunca foi tocado ou destruído graças aos surfistas, é preciso não esquecer.
O mar estava pequeno, um metro nos sets, apenas Money Trees a funcionar …
Finalmente chegamos  ao BOBBYS SURF CAMP, chegar aqui é uma celebração, empregados abraçam nos em vez do aperto de mão, os macacos ao redor percepcionam com a perspicácia dum vigilante quem chega e quem vai embora. O próprio conceito de Surf Camp nasceu em G-Lang através do lendário Mike Boyum e do próprio Bobby Radiasa.

 

 

                       

                  << O lado individualista intrínseco de surfista sempre prevaleceu,

                      mas isso foi apenas verdade até chegar a G-Land com mais de 10 pés>>

 

 

 

O dia seguinte não deu tréguas, 12 pés sem vento linhas e linhas intermináveis, assustador e lindo ao mesmo tempo, um despertar de emoções e a ansiedade a emergir em cada um de nós, como se as ondas fossem vietcongs e a nossa operação militar subisse ao palco de guerra neste caso o oceano Índico.
Halford o filho aussie, irrequieto bebia o café da manhã com a mão trémula, decidimos entrar todos juntos,não por acaso eramos todos goofies, uma remada de 30 minutos até o pico, isso mesmo 30 minutos, Justin, Marcio, Kalan Halford ,o seu filho e eu próprio todos juntos na remada intensa e sem canal até o outside,para mim foi uma novidade esta entrada coletiva,aprendi no surf sempre a agir sozinho, nunca entrei em grupo no mar ,o lado individualista intrínseco de surfista sempre prevaleceu, mas isso foi apenas verdade até chegar a G-Land com mais de 10 pés…

Descrever esta onda tão complexa não é fácil, tem o power Havaiano a bancada rasa em várias sessões que caiem como blocos e uma extensão infinita e imprevisível, nunca sabemos se a onda vai fechar…
Foi uma sessão épica única e inexplicável, montanhas de água perfeitas, curiosamente a adrenalina maior não está na remada mas após o take off, visualizar de frente uma parede infinita e imprevisível é uma sensação difícil de explicar.

A onda em dias acima dos 6 pés fica definido em 4 picos, Kongs no outside uma onda mais cheia mas com muita massa de água, Money Trees o pico mais constante com duas bancadas mais rasas onde os tubos aparecem na perfeição, Lauching Pads que muitas vezes faz a ligação com Money Trees e finalmente a jóia da coroa Speedies uma bancada muito rasa e seca, os próprios surfistas indonésios mais experiente só arrancam para G-Land nos dias de lua cheia ou lua nova onde as marés aumentam a profundidade em Speedies e tal como o nome indica a velocidade que se atinge é impressionante, é sem dúvida uma das sessões mais perfeitas de tubos na Indonésia e no mundo, foi aí que percebi porque os médicos surfistas tem desconto nos surf camps em G-land, vi pelo menos três surfistas a serem cozidos das escoriações nesse dia após se estatelarem na bancada de Speedies.
O por do sol tem tanto de belo como de efémero, desaparece num ápice, contemplá-lo depois de uma semana de ondas clássicas é um prémio e ficará estampado na minha memória como se tratasse de algo fora da realidade, são 17h da tarde, Riders on the Storm é o som da coluna no sunset da praia, ombros doridos, troncos nus, calor ameno e prazeroso, olhos inflamados e vermelhos do sol, Bintangs, conversas, nesse momento ao som da musica intemporal dos The Doors abraço Justin e Kalan antes deste sentenciar “ I wanted a mission for my soul and G-land gave me one”

*Por Bernardo Seabra

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