David Raimundo é um líder natural e um selecionador reconhecido a nível nacional e internacional David Raimundo é um líder natural e um selecionador reconhecido a nível nacional e internacional Tiago Segurado sexta-feira, 09 agosto 2019 12:47

DAVID RAIMUNDO NO RESCALDO SOBRE RESULTADO DE PORTUGAL NO EUROSURF 2019

Uma entrevista frontal onde o líder da equipa Portuguesa explica tudo.

 

Portugal sagrou-se vice campeão Europeu durante o passado dia 27 de Julho em Santa Cruz, resultado que suscitou um desapontamento generalizado na comunidade de surf nacional. Com a equipa Francesa ausente devido a problemas financeiros, segundo apurado pela Surftotal, as expetativas dos fãs Portugueses inclinavam para uma vitória da equipa das quinas. Tal não veio a acontecer e Portugal terminou na segunda posição, um resultado bastante positivo dadas as circunstâncias, incluindo a modalidade de Bodyboard, onde Portugal geralmente tem domínio, ter sido retirada das edições dos Campeonatos da Europa de Surf por Seleções.

A Surftotal esteve à conversa com David Raimundo selecionador Nacional de surf, numa entrevista frontal onde o líder da equipa Portuguesa explica tudo.

 

"Está na altura de criarmos todos mais sinergias

e enaltecermos mais os feitos dos nossos atletas." David Raimundo

 

 

Surftotal:David bom dia. Em primeiro lugar queremos-te felicitar pelo teu trabalho com a seleção e alguns dos jovens talentos de surf portugueses. O que nos vem de imediato à cabeça tem a ver com a gestão de tempo. Como consegues gerir o trabalho entre a APS(Associação Profissional de Surf - projeto particular de David Raimundo) e as diversas seleções de surf nacional?

David Raimundo: Bom dia. Obrigado pelos parabéns. Queria começar por dizer antes desta entrevista, que após ler todas as perguntas, fiquei com sérias dúvidas sobre o contexto e as intenções da mesma. De qualquer maneira, responderei a todas as perguntas com toda a seriedade e profissionalismo que sempre me caracterizaram. Os projetos da FPS e da APS são totalmente distintos, apesar de estarem inseridos no mesmo contexto e algumas vezes, terem alguns intervenientes iguais. O trabalho na APS é um trabalho que vem sendo realizado há 16 anos, com uma estrutura sólida e muito bem montada. Neste momento, somos quase 10 profissionais a trabalhar diariamente na empresa. A equipa de treinadores é muito forte e experiente, o que me solta sempre que necessário para o projeto da FPS. No início do ano, faço uma planificação de todos os campeonatos e estágios que vão acontecer até Dezembro. Depois disto, em reunião de treinadores da APS dividimos os campeonatos e estágios pela equipa. Desta forma, consigo garantir todos os meus compromissos na estrutura. Existe ainda o trabalho que é feito fora da praia, tanto na APS como na FPS. Resumindo, com muita organização, tem sido sempre possível conciliar os dois projetos desde 2014, com enorme sucesso desportivo em ambos.

 

 

"Os projetos da FPS e da APS são totalmente distintos,

apesar de estarem inseridos no mesmo contexto e algumas vezes, terem alguns intervenientes iguais."

 


Após o resultado deste último euro surf em que Portugal ficou em segundo a seguir a Itália e quando a seleção francesa não estava presente, perguntamo-nos de imediato se Itália é de facto uma nova potencia do surf europeu.

A Itália já tinha sido vice-campeã Europeia há dois anos na Noruega. Não é nenhuma novidade a ascensão deste país. Aliás, existem muitos outros que têm crescido muito nestes últimos anos, como o caso da Alemanha, Suécia, Bélgica, Holanda. É importante também contextualizar a mudança que ocorreu pela primeira vez neste campeonato da europa. Deixou de haver bodyboard (situação votada há um ano por a grande maioria dos países nórdicos e mais alguns associados que não tinham atletas de nível para este campeonato). Tudo isto veio ajudar aqueles países que não eram tão fortes a equilibrarem as contas. Tivemos também a inclusão do longboard feminino e o mesmo número de atletas masculinos e femininos no surf. Neste contexto, a Itália ficou mais forte e conseguiu aproximar-se mais das tradicionais potências europeias. Se estivermos a falar apenas da modalidade de surf, acho que a Itália ainda não está ao mesmo nível de Portugal, Espanha ou França. Mas é muito importante salientar que o trabalho que começa a ser desenvolvido por vários países, tem tido qualidade e eles estão a evoluir. E isso é bom para o surf europeu! A concorrência eleva a qualidade.

 

 

"A Itália já tinha sido vice-campeã Europeia há dois anos na Noruega.

Não é nenhuma novidade a ascensão deste país."


Relativamente aos atletas portugueses ao team português, nomeadamente o masculino verificamos que alguns dos principais nomes do surf nacional não estiveram presentes, como Vasco Ribeiro e Frederico Morais, por exemplo. É difícil esta gestão, em selecionar atletas de elite que muitas vezes tem outras provas em paralelo?

Na equipa nacional, não existem principais nomes do surf nacional. Todos eles são importantes neste projeto. Contamos com todos, sabendo de antemão que só podemos levar um determinado número de atletas a cada campeonato. Este ano estamos a trabalhar na equipa nacional open com 17 atletas, 11 homens e 6 senhoras. Todos eles têm um planeamento individual com objectivos bem definidos para toda a época. Existe um trabalho de conciliação entre os objectivos pessoais dos atletas e os da seleção. Existe uma cooperação com os treinadores de cada um, de maneira a que os objectivos de ambas as partes sejam atingidos, sem prejudicar nenhuma das partes. Desta forma, sabemos quase sempre de antemão que atletas irão estar disponíveis para cada competição que Portugal participe. Existe uma hierarquia de prioridades relativamente aos objectivos dos atletas da equipa nacional. Até agora, tem corrido bem e todos os atletas que têm sido chamados a representar Portugal em campeonatos da Europa e do Mundo, têm cumprido com o que lhes é pedido.

O Campeonato da europa de surf por seleções podemos dizer que é uma prova que é imprescindível de se participar nos dias de hoje? Porquê?
Todos os anos, em Janeiro, a direção da FPS em conjunto com a equipa técnica, define quais são as prioridades para esse ano desportivo, tanto a nível de campeonatos como de estágios. Depois disso, fazemos a previsão dos orçamentos para cada ação (campeonatos e estágios). Depois de sabermos quanto dinheiro a FPS tem disponível de patrocínios e apoios do estado, tomamos as decisões finais. Este ano, como é óbvio, por o campeonato se realizar em Portugal, era imprescindível a nossa participação. Mas por exemplo em 2015, em Marrocos, Portugal acabou por não participar. Tínhamos outras prioridades nesse ano.

Porque razão França não esteve presente?

É uma pergunta que precisam de fazer à Federação Francesa de Surf.

 

 

 

 

"Se eu por alguma razão ou se em algum momento pensasse que não conseguiria ser imparcial

neste cargo, nunca o aceitaria."

 

 


Em relação ao trabalho paralelo entre a seleção e o teu projeto APS, é fácil para ti ser imparcial na escolha dos atletas que vão representar Portugal?

Esta é daquelas perguntas que era fácil de não responder por ser um atentado á minha dignidade e profissionalismo. Mas como disse no início, vou responder a tudo. Não podia ser mais fácil ser imparcial na escolha dos atletas que vão representar Portugal, sejam eles da APS ou de outra escola ou projeto qualquer. E porquê? Porque sempre fui, sou e sempre serei um profissional integro, baseado em excelentes valores e educação. Se eu por alguma razão ou se em algum momento pensasse que não conseguiria ser imparcial neste cargo, nunca o aceitaria. Mas quero aproveitar para dizer, que não hesitei em aceitá-lo. Antes de o aceitar, já tinha muitos atletas da APS a representar Portugal na Seleção Nacional, sendo que em algumas provas, mais de metade da equipa era composta por atletas APS. E já na altura, acredito que eles estavam lá apenas por mérito próprio. No nosso conceito de equipa nacional, todos os atletas e treinadores têm no início do ano uma reunião com a equipa técnica, onde lhes são apresentados os critérios de seleção para as várias provas que Portugal vai participar nesse ano. E todos os que foram escolhidos até hoje, foram aqueles que mais cumpriram os critérios. É normal que, às vezes, atletas e treinadores possam não concordar com as decisões. Mas escolhas são sempre coerentes com os critérios apresentados. Se tiver que levar uma equipa de atletas, todos da APS, a um campeonato? Se eles forem os melhores nos critérios pré-estabelecidos, então levo. Da mesma maneira que se tiver que não levar nenhum, também não levo. Isto claro, se não forem os melhores nos critérios pré-estabelecidos. Resumindo, vão sempre os que cumprem melhor os critérios!

Quais os maiores desafios que têm existido no teu trabalho como selecionador nacional estes últimos 5 anos?

O primeiro foi introduzir o conceito de equipa nacional, nos moldes que nós fizemos. Depois foi passar a mensagem que é possível ganhar a qualquer país, a qualquer atleta, em qualquer tipo de condições. Mas os maiores desafios foram e ainda são a falta de apoios do estado para garantir um trabalho de continuidade maior, de forma a elevar a qualidade da nossa equipa. São muitas as limitações financeiras do projeto. A FPS tem feito um esforço e um trabalho incrível neste campo, mas infelizmente sem mais apoios, estamos muito limitados. Faz-me muita confusão como é que o estado (sim, o turismo também é estado) investe tantos milhões no surf (quase tudo em provas internacionais), mas depois esquece-se da base da pirâmide. Nestas provas internacionais em Portugal, todos os amantes do surf e público em geral, gosta de ir ver os seus “heróis” a representar as cores nacionais. Mas estamo-nos a esquecer que um dia deixamos de ter heróis nessas provas...e depois? As mesmas terão o mesmo impacto na sociedade? Não seria importante olharmos para base da pirâmide? Pensar que é preciso investir numa melhor formação? Em criar e dar melhores ferramentas para que os nossos jovens surfistas possam evoluir mais depressa e com maior qualidade? Garantir que o trabalho realizado com as seleções jovens não seja limitado a 2, 3 estágios de um ou dias por ano? Podia estar aqui a falar dos números exorbitantes que estão presentes nos eventos internacionais em Portugal, mas eles são públicos e quem quiser que os consulte. Quero realçar um aspecto muito importante: estes eventos são de uma importância extrema para o desenvolvimento do surf em Portugal. Eles têm contribuído em muito para que muitos surfistas Portugueses possam competir, treinar e observar os melhores do mundo. Mas isso não chega! É preciso dinheiro para a formação dos jovens surfistas! Muito mais dinheiro! Os patrocínios já não são o que eram, num passado recente, e o investimento para que um jovem surfista possa lutar de igual para igual, com os melhores do mundo, é muito grande. É urgente perceber que a base está esquecida! Temos bons profissionais a trabalhar em Portugal. Vamos criar melhores condições para todos!

 

 

 

"A FPS tem feito um esforço e um trabalho incrível neste campo,

mas infelizmente sem mais apoios, estamos muito limitados."

 

Falando agora do objetivo Jogos Olímpicos, qual tem sido o trabalho do team português na preparação para os próximos Isa no Japão? Quais os objetivos para este evento?
Estamos a trabalhar dentro das limitações que temos, quer financeiras, quer de calendarização. Os nossos atletas têm um calendário muito apertado e temos aproveitado, ao máximo, todos os momentos para fazermos estágios de treino e estágios de qualificação. Nos últimos anos, já tínhamos introduzido o apoio médico, que é prestado, ao longo de toda a época, aos atletas da equipa nacional, de forma a minimizar o tempo de paragem em caso de lesão. Este ano o departamento clínico é liderado pelo Dr. Alberto Prata, que também está integrado no CAR Jamor. Por outro lado, também temos o apoio do CAR Jamor, para os treinos físicos e recuperação de lesões, além do apoio do nutricionista. Apoio este que é prestado a todos os atletas de alto rendimento e do projeto olímpico, mas que este ano inclui todos os que fazem parte da equipa nacional. Com esta colaboração, conseguimos introduzir um conjunto de testes físicos, realizados no CAR Jamor, mas também na praia, durante os estágios, o que nos permitiu ter mais informação relativamente ao estado de preparação dos atletas, e corrigir alguns pormenores, relativamente às suas capacidades físicas.
Assim, o nível deles, em todos os momentos, tem sido muito alto e estamos muito satisfeitos com isso. O principal objectivo para este ISA no Japão, é conseguir a qualificação de um homem e de uma senhora para os jogos olímpicos, pois o melhor Europeu e a melhor Europeia garantem uma vaga.
Vamos ter Portugueses na modalidade surf nos Jogos Olímpicos? Essa é uma pergunta que não consigo responder com certeza, pois depende de vários factores. Mas posso dizer que acredito muito nisso! E trabalho todos os dias para que isso seja uma realidade. E acredito mesmo que é possível Portugal estar representado tanto nos homens como nas senhoras.

 

"O principal objectivo para este ISA no Japão,

é conseguir a qualificação de um homem e de uma senhora para os jogos olímpicos."

 

Algo mais a dizer?

Queria terminar esta entrevista a dizer, que foi com muita tristeza que não vi um único meio do surf presente no campeonato da europa em Santa Cruz. Nem no último dia! O dia que Portugal se podia sagrar campeão da Europa! Às vezes para contar a verdadeira história de um campeonato ou de outra coisa qualquer, é preciso estar lá a ver tudo, do início ao fim. Os media, principalmente os do nosso meio, têm uma missão muito importante pois são eles que muitas vezes passam a mensagem para o público em geral. E infelizmente, essa mensagem nem sempre passa da melhor maneira, ou da maneira como realmente aconteceu. Somos ainda um meio pequeno comparado com o futebol, mas estamos a crescer cada vez mais. E não podemos dar tiros nos pés, a criticar (muitas vezes sem sabermos e outras sem razão) os nossos surfistas, que tão bem levam a nossa bandeira de Portugal, por esse mundo fora, seja em campeonatos individuais, de seleção, viagens, entre outros. Está na altura de criarmos todos mais sinergias e enaltecermos mais os feitos dos nossos atletas. É altura de deixar de ver o copo meio vazio! Está na altura de ver o copo meio cheio! Sempre! Abraço.

 

"Somos ainda um meio pequeno comparado com o futebol,

mas estamos a crescer cada vez mais."

 

 

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