É seguro dizer que daqui a 10 anos é bem possível termos um ou uma participante prontos para ganhar medalhas... segunda-feira, 12 junho 2023 10:42

É seguro dizer que daqui a 10 anos é bem possível termos um ou uma participante prontos para ganhar medalhas...

O testemunho de Maryna Klymenko do team Ucrânia de Surf...

 

 

 "Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer imenso à FPS e ao Peniche Surfing Clube e a todos os portugueses pelo apoio em realização do mesmo..."

 

 

Esta última etapa do Mundial de Surf da Isa em el Salvador deixou-nos uma vez mais perceber o quão seriamente as nações do mundo estão a encarar esta possibilidade quase única em qualificar os seus atletas para os Jogos Olímpicos. Cada vez mais vemos países que praticamente não têm ondas e também teoricamente menos cotados a adoptar novas estratégias para desenvolver o surf dos seus atletas.

O caso singular da Ucrânia chamou-nos a atenção pois é uma selecção jovem, com o seu País envolvido numa guerra cruel e sem fim à vista, treinada por um cidadão Português e que tem a ambição de em 10 anos ter um medalhado/a nos ISA.

Estivemos à conversa com Maryna Klymenko, surfista Ucraniana residente em Peniche que nos fala da sua experiência em El Salvador assim como sobre o que se passa nos meandros da selecção do seu País.

 

Maryna juntamente com Sally Fitzgibons - ISA

 

 

Surftotal - Em primeiro lugar parabéns pelo teu surf e por fazeres parte do team Ucrânia.

Maryna Klymenko - Muito obrigada! Estou muito feliz e orgulhosa, tem sido uma experiência incrível!

 

Surftotal - Como surgiu esta oportunidade de competires pela Ucrânia?

Maryna Klymenko - A oportunidade veio através do campeonato nacional da Ucrânia, que, por acaso, decorreu em Peniche no inicio de Maio 2023. Uso esta oportunidade para agradecer imenso à FPS e ao Peniche Surfing Clube e a todos os portugueses pelo apoio em realização do mesmo. Como foi a única forma de selecionar os atletas que iriam representar a Ucrânia nos ISA WSG, os finalistas do campeonato ucraniano formaram uma equipa que a seguir foi a El Salvador. Foi o primeiro campeonato de surf em que participei na minha vida e sagrei-me campeã nacional da Ucrânia 2023.

 

"Desde a primeira participação temos conseguido sempre evoluir:

em 2021 ainda não tínhamos uma equipa completa, em 2022 já conseguimos levar a equipa inteira, e este ano para além da equipa também conseguimos levar um treinador."

 

A Ucrânia tem vindo a participar nos ISA há quanto tempo? Que tal tem sido essa experiência?

Esta foi a terceira vez que a equipa ucraniana participou nos ISA WSG: a primeira também foi em El Salvador em 2021, a segunda foi nos EUA, em Huntington Beach, no ano passado. Desde a primeira participação temos conseguido sempre evoluir: em 2021 ainda não tínhamos uma equipa completa, em 2022 já conseguimos levar a equipa inteira, e este ano para além da equipa também conseguimos levar um treinador. E não só um treinador qualquer, tivemos sorte de ser treinados por Enrique Lenzano, com quem já tive prazer de trabalhar como atleta em 2022. Além disso todos os anos conseguimos melhorar a nossa posição no ranking, tendo em conta que a quantidade dos países participantes tem tendência de aumentar anualmente

 

 

 

Falando agora sobre El Salvador, podes descrever a tua experiência nas ondas de El Salvador? Foi a tua primeira vez nessa zona de ondas?

Como antes tinha surfado apenas em Portugal e umas vezes em Tenerife, para mim foi uma experiência única. Para quem sempre surfou de fato, apanhar ondas em bikini no mar quentinho foi brutal. Sentir a força do Pacifico também foi algo de novo, o mar la não dá descanso, está sempre a bombar. Surfámos praticamente todos os dias nas ondas da competição: la Bocana e el Sunzal. Embora eu esteja numa altura quando prefiro ondas de backside (sou regular), fiquei apaixonada por El Sunzal que é um point break de direitas com um canal gigante que permite entrar sem muito medo mesmo quando o mar está grande.

 

"Tive sorte de estar acompanhada pelo meu treinador, quem fez com que a viagem de mais que 30 horas não fosse tão stressante."

 

 

Sabemos que vives em Peniche, podes contar-nos como foi para chegar de Lisboa a El Salvador? Uma viagem longa, não?

Nunca viajei para tão longe, ainda por cima com muitas pranchas, também foi tudo novo para mim. Tive sorte de estar acompanhada pelo meu treinador, quem fez com que a viagem de mais que 30 horas não fosse tão stressante. O meu percurso de ida e volta foi Peniche-Lisboa-Amsterdão-Panamá-San Salvador-Surf City-San Salvador-Panamá-Paris-Lisboa-Peniche. Embora seja um pouco cansativo viajar tantas horas, valeu a pena!

 

Agora sobre o nível competitivo, como vês o nível de surf mundial, neste evento em que estiveram os melhores surfistas do mundo. Como foi surfar e vivenciar o dia a dia próximo de toda esta energia de gente dos 4 cantos do mundo? 

O nível de surf demonstrado nesta competição foi extraordinário. Quem não vive dentro da realidade competitiva de QS e também vê principalmente as provas da WSL, não faz ideia de quantos surfistas fortes existem em vários países. Foram quase 300 competidores de 63 países a lutar pela vitoria e pelos lugares nos Jogos Olímpicos Paris 2024, e a batalha foi dura e espectacular. O que me impressionou mais foi a humildade de muitos atletas de alto nível: dentro e fora de agua tratam surfistas «menos profissionais» como iguais. Não havia lugar para brigas neste evento, mesmo tendo competição ridícula durante o freesurf, toda a gente manteve a postura e o espirito positivo.

 

"O que me impressionou mais foi a humildade de muitos atletas de alto nível: dentro e fora de agua tratam surfistas «menos profissionais» como iguais"

 

 

Qual o surfista masculino que mais te impressionou? E a feminina?

Um dos surfistas, que me impressionou mais foi um local de lá Porfirio Miranda. Basta só ver umas ondas dele no Instagram, mas vimo-lo todos os dias nos spots a destruir ondas com técnica e estilo ridículos, e isso em tempo real tem um efeito diferente do que ver o surf no ecrã de um dispositivo. Já entre as surfistas vai ser difícil destacar só uma, porque foi pela primeira vez que vi tantas surfistas de alto nível num sitio e foi simplesmente incrível. O que me impressionou mais foi o commitment das raparigas nos dias maiores, como elas atacavam junções enormes, como, por exemplo, uma onda de 9.03 pontos da holandesa Tiara van der Huls que foi um furor. 

 

 

"Quero destacar o gesto da equipa espanhola que colocou uma bandeira ucraniana ao lado da deles no edifício em frente ao pico principal onde eles ficavam durante todo o campeonato. Fiquei comovida"

 

 

 

As bandeiras da Ucrânia e de Espanha lado a lado.

 

Sabemos que foram acarinhados por toda a gente nomeadamente pela Sally e pelo Fernando Aguerre. Queres nos contar o carinho e apoio que as pessoas têm demonstrado para com a equipa ucraniana?

O carinho e apoio por parte de competidores, treinadores, oficiais, locais foram simplesmente fantásticos. Boas palavras, abraços, sorrisos, aplausos, desejos de boa sorte que tínhamos recebido antes, durante e depois da competição não têm conta. O nosso coach chamou isso o «efeito da bandeira»: sempre quando levávamos a nossa bandeira ou vestíamos a farda nacional, sentíamo-nos muito bem vindos e amados. Quero destacar o gesto da equipa espanhola que colocou uma bandeira ucraniana ao lado da deles no edifício em frente ao pico principal onde eles ficavam durante todo o campeonato. Fiquei comovida, nestes tempos difíceis o meu pais precisa de muito apoio, e senti-lo é priceless. O  grande Fernando Aguerre sempre faz tempo para dar atenção à equipa ucraniana e por isso agradecemos-lhe imenso. Já com a Sally Fitzgibbon’s tinha criado uma conexão durante a etapa em Peniche em 2019, os outros membros da nossa equipa também a tinham encontrado no passado em vários cantos do mundo. E nestes ISA WSG transformou-se numa conexão emotiva forte entre ela e a equipa toda: estávamos a espera dela antes e depois das baterias dela todos os dias para lhe dar energia e torcer por ela. Embora ela perdeu a um passo da final, para nós ela sempre é a maior!

 

"Eu, pessoalmente, estava a torcer pela equipa portuguesa, claro, principalmente pelo Gui Fonseca sendo ele meu surfista preferido de Peniche."

 

 
A nível Europeu em termos de prestações de equipas, qual ou quais as que mais te surpreenderam pela positiva? Porquê?

Em termos de performance a equipa francesa sem dúvida mostrou um excelente resultado e ficou em segundo lugar entre 63 países, atrás apenas de Peru. Eu, pessoalmente, estava a torcer pela equipa portuguesa, claro, principalmente pelo Gui Fonseca sendo ele meu surfista preferido de Peniche. As equipas de Portugal, Alemanha e Espanha por mim estão muito fortes, a mostrar surf de qualidade, queria sempre vê-los no topo de ranking, deixando para trás as equipas de Asia e Américas :). Queria mencionar também a equipa da Republica Checa que participou nos ISA WSG pela primeira vez e surfou muito bem. O facto curioso é que eles consideraram a nossa equipa como rivais principais, tendo em conta que estamos mais ou menos na mesma etapa de desenvolvimento de surf nos nossos países. Mas também torcemos uns pelos outros! Este é o espirito!

 

 

Agora voltando ao surf Ucraniano, quando teremos um surfista ucraniano nos Jogos Olimpicos?

Estamos a trabalhar nisso! Vai ser um pouco atrevido dizer que daqui a 2 ciclos olímpicos já vamos ter um ou uma surfista nos Jogos Olimpicos, mas é seguro dizer que daqui a 10 anos é bem possível termos um ou uma participante (ou até vários!) prontos para ganhar medalhas. O foco da Federação ucraniana de surf e da comunidade está aí mesmo.

 

Algo mais a dizer?

Quero agradecer ao meu treinador Enrique Lenzano (@kikesurfcoach) não só por ajudar-me a ganhar a prova nacional mas também por pegar na equipa ucraniana recém-formada a ultima da hora e por juntar-se a aventura de representar a Ucrânia nos ISA WSG. Ele é o maior! Também queria agradecer à Federação ucraniana de surf, especialmente ao presidente Vasyl Kordysh, e ao nosso patrocinador Anton Maznyi por proporcionar-me esta oportunidade. E finalmente queria agradecer a todos que nos apoiaram e torceram por nós, e aos que nos ajudaram com a campanha GoFundMe. E à Surftotal pela atenção, claro. Um grande abraço! Mahalo!

 

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