O Futuro do Surf em Portugal - "O surf de alta competição está a tornar-se, infelizmente, um desporto de Ricos" José Gregório
Ex-campeão nacional de surf e responsável da Quiksilver Portugal
Com uma carreira de sucesso enquanto atleta e atualmente com responsabilidades na gestão de uma das marcas históricas do surf mundial, José Gregório conhece o circuito competitivo por dentro e por fora. Neste testemunho para o fórum Surftotal sobre o estado do surf nacional, partilha a visão de quem já viveu o alto rendimento e hoje toma decisões de investimento numa das marcas mais icónicas do setor.
José durante o confronto com Tiago Pires na etapa da Liga Meo de Maio de 2025 na Ericeira - Click por Jorge Matreno / ANS
"Hoje em dia, as marcas apenas se preocupam com atletas ou eventos com alcance mundial." - José Gregório
Que critérios pesam mais na hora de apoiar um atleta ou evento de surf?
Hoje em dia, as marcas apenas se preocupam com atletas ou eventos com alcance mundial.
Ao contrário dos anos 90 e 2000, em que os eventos nacionais e europeus tinham grande visibilidade, com a globalização e a internet o público passou a interessar-se quase exclusivamente pelo "topo do topo".
Sou um exemplo disso — consegui fazer carreira e ter patrocínios razoáveis no WQS, algo que hoje seria impensável.
A culpa não é das marcas, mas sim da procura. Os jovens querem saber dos 10 ou 15 nomes que estão no topo mundial e ignoram o resto do ranking.
"Para um país com a nossa dimensão, fazemos um excelente trabalho. " - José Gregório
José durante o confronto com Tiago Pires na etapa da Liga Meo de Maio de 2025 na Ericeira - Click por Jorge Matreno / ANS
Acha que há visibilidade suficiente para justificar o investimento em atletas portugueses?
Visibilidade direta para justificar o investimento não há. Mas se o investimento parar, para também a evolução do surf nacional.
Marcas, Estado e outros intervenientes, se pensarem apenas no retorno imediato, estão a hipotecar o futuro. Hoje em dia, temos grandes talentos que ficam por cá, sem meios para viajar e competir internacionalmente, o que os impede de evoluir ao lado dos melhores do mundo.
O surf de alta competição está a tornar-se, infelizmente, um desporto de ricos — tal como vemos noutras áreas da sociedade, como a educação, saúde ou justiça.
Os mais jovens estão a perceber esta realidade e, talvez por isso, comecem a voltar a interessar-se por política.
"é difícil contornar a limitação natural de sermos um país pequeno, com pouca massa humana."
O que poderia melhorar no ecossistema competitivo português para tornar o investimento mais atrativo?
Para um país com a nossa dimensão, fazemos um excelente trabalho.
Temos bons circuitos locais, nacionais e até eventos do circuito mundial — tudo com bastante qualidade.
Por isso, continuamos a ter representantes no panorama internacional, e há potencial para termos mais.
Todos os envolvidos — clubes, escolas, federação, organizadores — estão de parabéns pelo trabalho feito e contínuo.
No entanto, é difícil contornar a limitação natural de sermos um país pequeno, com pouca massa humana. A escala faz sempre diferença, e Portugal terá sempre esse desafio estrutural.
Este testemunho integra o Fórum Surftotal, uma iniciativa que pretende dar voz aos protagonistas do surf português — atletas, pais, clubes, marcas, escolas e dirigentes — para promover uma reflexão coletiva sobre o futuro do surf nacional.