O futuro do surf em Portugal: “A motivação era vê-lo feliz”: Artur Fernandes, pai de Tomás Fernandes
fala sobre os desafios e alegrias de apoiar um filho no surf competitivo...
Pioneiro no cenário do surf nacional, empreendedor e ex-sócio da Despomar, Artur Fernandes partilha a sua visão no fórum Surftotal sobre o futuro do surf em Portugal, desta vez a partir do olhar de um pai.
No âmbito do fórum Surftotal, onde se pretende refletir sobre o estado atual e os caminhos futuros do surf nacional, ouvimos a perspetiva de Artur Fernandes, pai do atleta Tomás Fernandes, um dos nomes mais consistentes do surf português da última década. Artur, que foi também uma pessoa importantes no desenvolvimento e rumo das Wind Surf Guincho Surf Shops, conhece o surf por dentro e por fora — enquanto indústria, paixão e desafio familiar.
Começo precoce, motivação simples:
“O Tomás começou a competir com cerca de nove anos. Eu achei que podia ser cedo, mas ele divertia-se nos campeonatos, e ver o meu filho feliz era tudo o que eu precisava para o apoiar.”
Para Artur, mais do que resultados, o que sempre contou foi o sorriso do filho. Ainda assim, reconhece que a competição impõe regras importantes: disciplina, treino, superação — “qualidades que o ajudariam a crescer como homem”.
O que o motivou a apoiar o seu filho/a na prática do surf competitivo?
O início da carreira competitiva do Tomás aconteceu por volta dos nove anos, nessa altura questionei-me se não seria muito cedo, mas ele começou a ir aos campeonatos e divertia-se e a partir daí não parou. Vendo o Tomás feliz, eu ficava feliz, por isso apoiei da melhor forma que pude e sabia.
A motivação era vê-lo com um sorriso na cara, por outro lado, a competição obriga ao treino, à disciplina, a querer ser melhor e isso serviria para o seu futuro como homem.
Os grandes desafios: ausências, escola e o peso financeiro
“A parte mais dura foi lidar com as saudades. O Tomás, com apenas 11 anos, já fazia temporadas na Austrália, Maldivas, Havai... Era muito pequeno para estar tanto tempo fora.”
As palavras de Artur revelam o lado emocional por trás do glamour das viagens e campeonatos. Mas não foi só a distância que custou. A gestão entre escola e surf foi um exercício diário de equilíbrio: apesar da abertura da escola que frequentava, a realidade é que o Tomás acabava por acumular matéria e ter de enfrentar testes sobre temas que não acompanhou presencialmente.
“Tivemos de trabalhar muito, nós e ele, para manter um relacionamento próximo e o foco nos estudos.”
Já o peso financeiro foi constante: entre treinadores, viagens, equipamentos e especialistas, os custos de um percurso de alto rendimento são elevados, mesmo com patrocínios.
Quais os maiores desafios que têm enfrentado no percurso do seu filho?
Primeiro a gestão das saudades que era muito difícil para todos. O Tomás aos onze anos já fazia temporadas na Austrália, Maldivas, Havai, e vê-lo ir tão pequeno era muito doloroso.
Depois durante o crescimento do Tomás um dos maiores desafios foi a gestão entre a escola, e os treinos diários, e as viagens para participar em campeonatos.
Apesar do Tomás ter estudado numa escola que entendia a sua aposta na prática do surf sem nunca ter colocado questões nas faltas que eram dadas para participar nos campeonatos, ele acabava por acumular a matéria e ter testes sem sequer ter estado presente quando os diferentes temas eram dados em aula.
Outra questão eram as ausências prolongadas para campeonatos/estágios, que acabavam por criar alguma distância, e que obrigava a trabalho extra por parte de nós pais e dele, de forma a se manter um relacionamento próximo.
Por último a questão financeira, apesar do Tomás ter patrocínio desde muito novo, os custos eram altíssimos (treinadores de surf, preparador físicos, psicólogo, nutricionista, viagens, inscrições em campeonatos, pranchas). Mas era o sonho dele, e tudo se fez para que nada faltasse.
Apoios institucionais: muito aquém das necessidades
“Nem pensar. Nos anos decisivos do Tomás, não houve apoio suficiente por parte dos clubes ou da federação.”
Artur não aponta o dedo diretamente, mas admite que as estruturas estavam longe do profissionalismo necessário. Hoje, reconhece o esforço do Ericeira Surf Clube, mas sublinha que continua a faltar um verdadeiro sistema de suporte aos atletas.
Sente que há apoio suficiente dos clubes e da federação?
Nem pensar, pelo menos nos anos mais importantes para o Tomás. Mas não os culpo, pois as verbas que dispunham eram muito reduzidas e as estruturas também não eram profissionalizadas.
Relativamente à situação atual e ao Ericeira Surf Clube, sei que eles fazem o possível, mas está longe de ser o apoio que os atletas necessitam.
Sair de Portugal? Só em teoria.
“Mesmo que eu considerasse, o Tomás nunca trocaria a sua Ericeira, os Coxos ou Ribeira d’Ilhas por nada deste mundo!”
Com humor e realismo, Artur reconhece que alguns surfistas já representam outros países, à procura de melhores condições financeiras e académicas. É uma alternativa que respeita, mas que considera lamentável.
“O problema não está nos atletas — está nas oportunidades.”
Consideraria mudar para outro país se surgissem melhores oportunidades?
Mesmo que eu considerasse não valeria de nada, porque o Tomás não trocaria a sua Ericeira, em especial os Coxos e Ribeira por nada deste mundo (rir).
Falando a sério, tenho visto alguns surfistas participarem em campeonatos (seleções) por outros países de forma a terem uma recompensa financeira que lhes permita depois investir nas suas carreiras, acho triste isso acontecer mas é uma alternativa e todas são válidas.
Outra questão a pensar é se os surfistas estiverem em idade de estudar, claramente que os sistemas escolares em muitos países estão muito mais desenvolvidos para os alunos/atletas de alta competição.
Esta é mais uma peça fundamental no retrato do surf nacional: pais envolvidos, comprometidos e conscientes, que, mesmo vindos de dentro da indústria, vivem os desafios de apoiar filhos com sonhos no mar.
Este testemunho integra o Fórum Surftotal, uma iniciativa que pretende dar voz aos protagonistas do surf português — atletas, pais, clubes, marcas, escolas e dirigentes — para promover uma reflexão coletiva sobre o futuro do surf nacional.