Francisco Magalhães é uma jovem promessa do surf de Cascais Francisco Magalhães é uma jovem promessa do surf de Cascais quarta-feira, 18 novembro 2020 04:24

JOVENS PROMESSAS - COMO EVITAR DESISTÊNCIAS NA ADOLESCÊNCIA

Sabemos que as crianças se apaixonam pelo surf e praticam com uma vontade e energia invejável....

 

Enquanto crianças, são os pais quem incentivam a prática desportiva, mas com a transição da infância para a adolescência a influência parental acaba por perder força em detrimento do grupo de amigos.

 

*Por Francisca Campos 

 

 

Sabemos que as crianças se apaixonam pelo surf e praticam com uma vontade e energia invejável praticam por puro prazer e divertimento, desenvolvendo inocentemente a sua performance, até que de repente o surf abre portas à competição e possivelmente a uma carreira desportiva. Se é essa a vontade do jovem atleta, de que forma podem a família e os treinadores apoiar o seu percurso?

 

É comum vermos o abandono precoce da modalidade ser justificado de forma simples - por falta de vontade ou de interesse - mas ao mesmo tempo existem vários estudos que nos dão a conhecer os complexos factores que estão por trás dessas simples justificações. Os mais frequentes são: ausência de melhoria ou de aumento do rendimento desportivo; a falta de divertimento e prazer; a falta de empatia com o treinador; a falta de competição; a falta de apoio financeiro/patrocínios; a pressão da vitória na competição; as alterações na fisionomia resultantes do desporto; as diferenças individuais na maturação física, e os conflitos de interesses (entre o desporto, os estudos, as actividades de lazer) ou falta de tempo.

 

 

 

"É importante compreendermos que a adolescência é um processo complexo,

 

que passa por desenvolver as qualidades e valores

 

que definem a identidade individual..."

 

 

 

Quando transitei do surf para o rugby, por volta dos meus 15 anos, não foi pela tal “falta de vontade” ou “falta de interesse”, foi por insegurança. Além de ter crescido mais rápido que todas as outras raparigas (aos 10 anos já tinha 1,55m!), o meu corpo era notoriamente de atleta. Apaixonei-me pelo surf mas estava rodeada de rapazes (as minhas amigas próximas nem praticavam desporto), por isso uma equipa de rugby constituída por quase 20 raparigas, com as quais me identificava, naturalmente me proporcionou o suporte e a confiança que precisava naquela fase da minha adolescência. Após 15 anos e alguma reflexão sobre o assunto, isto é claro para mim, na altura foi inconsciente. Apesar de tudo, não considero que tenha sido algo negativo - até porque nunca deixei de surfar - ao mesmo tempo, se não tivesse surgido uma modalidade de substituição que me permitisse manter a minha práctica desportiva regular, esta insegurança teria contribuído apenas para mais uma desistência do desporto, com a certeza que seria hoje uma pessoa extremamente diferente.

 

É importante compreendermos que a adolescência é um processo complexo, que passa por desenvolver as qualidades e valores que definem a identidade individual. Tomam-se grandes decisões em relação ao futuro, tanto a nível pessoal como profissional, e é portanto uma etapa da vida primordial - pelas implicações que apresenta na formação do indivíduo. Paralelamente, a prática desportiva regular é imprescindível no desenvolvimento do ser humano, especialmente na adolescência, na qual se determinam os hábitos e os comportamentos. O desporto é sem dúvida um promotor de estilos de vida saudáveis, de relações saudáveis e de uma mente forte.

 

 

 

 

"Existe o bullying sobre a fisionomia desportiva desenvolvida

(mais comum em atletas do sexo feminino)

 

 

ou sobre a maturação tardia

(mais comum no sexo masculino)..."

 

 

 

 

Enquanto crianças, são os pais quem incentivam a prática desportiva, mas com a transição da infância para a adolescência a influência parental acaba por perder força em detrimento do grupo de amigos. Esta influência acontece devido à intensificação na relação com os amigos e pelo facto de o adolescente sentir necessidade de se separar emocionalmente dos pais. Desta forma, são as relações de amizade que acabam por transmitir e modelar comportamentos, incluindo os níveis de prática desportiva. Isto quer dizer que o grupo de amigos, ou colegas da escola, do jovem atleta (entre os 10 e os 19) têm um poder bem maior do que aquele que provavelmente lhes reconhecemos e é preciso estar atento, não só para salvaguardar carreiras desportivas, mas para salvaguardar o desenvolvimento de um adulto confiante e focado nos seus objectivos.

 

Existe o bullying sobre a fisionomia desportiva desenvolvida (mais comum em atletas do sexo feminino) ou sobre a maturação tardia (mais comum no sexo masculino), mas podem nem existir críticas por parte dos seus pares para se fazer sentir a pressão social. Em alguma altura o jovem vai ganhar consciência que as suas rotinas desportivas (treinos e competições) lhe ocupam o tempo livre, que os seus pares usam para outras actividades sociais, e isto pode fazê-lo sentir-se diferente, distante e/ou excluído. Por tudo isto, é importante haver uma comunicação aberta e constante com os jovens, para que estejamos conscientes do contexto em que estão inseridos, de que forma se deixam influenciar negativamente pelos seus pares e/ou inseguranças, e consequentemente ajudar na tomada de decisões que irão inevitavelmente moldar a sua personalidade.

 

Estudos também revelaram que a influência dos pais pode ter consequências negativas associadas ao desenvolvimento e bem-estar dos próprios filhos, especialmente relacionadas com o stress e a falta de incentivo para a prática desportiva, que pode culminar no abandono do desporto. Esta desvalorização surge também por parte dos professores, ainda que existam provas de que a prática desportiva promova o sucesso escolar.

 

Por vezes temos tendência a valorizar mais os treinadores de atletas séniores quando comparado aos de camadas jovens, no entanto treinar pessoas que ainda se encontram em desenvolvimento, e são susceptíveis a todos estes factores, requer um nível de gestão emocional substancialmente superior. Eu tive a sorte de ter treinadores que se apresentaram como meus amigos, ao invés de figuras parentais e por isso se tornaram uma influência positiva durante todo este processo.

 

Hoje vejo antigos colegas de faculdade e amigos próximos no papel de treinadores e não poderia ficar mais orgulhosa do trabalho que têm feito com crianças e adolescentes, bem como na abordagem aos seus pais. Espero que os seus atletas nunca desistam do surf, ou pelo menos do desporto, e que se divirtam muito pelo caminho.

 

Conclusões/Estratégias:

Pais:
- Incentivar o desporto sem pressão em vitórias
- Estar atento ás mudanças corporais, apoiando alguma insegurança que possa surgir
- Comunicar frequentemente com o treinador
- Em caso de desistência, oferecer hipótese de outra modalidade

Treinadores:
- apresentarem-se como amigos aos seus atletas para haver comunicação aberta
- estarem atentos a sinais de desmotivação e compreender os motivos
- personalizar o foco do atleta consoante as suas necessidades: mais diversão ou mais competição

Jovens Atletas:
- comunicar abertamente sobre as suas preocupações e outros com os pais e treinadores

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