Brasilian Storm em foco Brasilian Storm em foco WSL segunda-feira, 12 julho 2021 19:59

Os Campeões Brasileiros Prejudicam a World Surf League ?

“Are Brazilian Champions Detrimental To The WSL?”. É assim que se intitula um artigo ....

 

....publicado no site australiano stab.com no final da semana passada e que provocou uma invulgar onda de indignação no Instagram durante o fim de semana.

 

 

Artigo Premium escrito por um jornalista Brasileiro lança confusão nas redes sociais:

Esta polémica foi particularmente interessante por se constatar que, possivelmente pelo artigo ser Premium, e portanto de acesso exclusivo a assinantes, e ter sido anunciado por um “teaser” provocador, uma parte significativa das críticas acabou por se focar precisamente no contrário do que o artigo defende – ie, muitos condenaram o artigo por ser anti-surfistas-brasileiros, quando a tese do artigo é precisamente a de que a existência de Campeões do Mundo brasileiros é benéfica  para o sucesso da World Surf League. Outro factor que pode ter contado para essa primeira reacção intempestiva por parte de tanta gente é o nome do autor desse artigo, Steve Allain. Ora o Steve é um dos mais reputados jornalistas de surf brasileiros, editor do site de surf brasileiro Moist bem como editor e apresentador de um dos podcats de surf mais interessantes, o Moist News.

Este artigo vem responder a preocupações lidas em muitas caixas de comentários de sites e de podcasts, principalmente australianos, acerca do actual domínio brasileiro do World Tour poder estar a provocar o desinteresse e o alheamento dos públicos australiano e norte-americano. Quem leia atenta e regularmente os comentários, principalmente em sites australianos, já deve ter deparado com lamentações do tipo “Brazilian Surf League”.

 

No Surf Profissional sempre existiu rivalidade entre nações:

Ao longo da história do surf profissional sempre tem havido rivalidades entre nações. De início, lá pelos anos 50 até finais dos anos 60, o domínio era californiano. A partir de 1968, o domínio do surf competitivo passa para os australianos, graças às inovações técnicas da “Shortboard Revolution”, com as pranchas mais curtas e manobráveis que permitiam a melhor utilização das zonas de mais energia das ondas. Durante os anos 70, o domínio manteve-se australiano, com alguns sucessos sul-africanos. É a altura do “Bustin Down the Door”, em que os australianos e sul-africanos registam sucessos assinaláveis em competições no Hawaii (o que levou a respostas, por vezes até violentas, por parte dos havaianos, que sentiam as suas ondas invadidas por estrangeiros).

Este domínio australiano estendeu-se pelos primeiros anos dos circuitos profissionais organizados e realmente mundiais, primeiro da International Professional Surfers (IPS) e de seguida da Association of Surfing Professionals (ASP). Este domínio durante os anos 80 só foi interrompido três vezes, em 1985 e 1986 pelo Tom Curren, e em 1989 pelo Martin Potter, originalmente sul-africano, mas na altura a competir com a bandeira do Reino Unido.

Os anos 90 são caracterizados pela hegemonia do norte-americano Kelly Slater, que ganha 6 títulos mundiais. De 2000 a 2010, mantém-se o domínio norte-americano, com quatro títulos do Kelly e três do Andy Irons.

Por volta de 2008 começa a emergir o “Brazilian Storm”, com o Adriano de Souza a alcançar o sétimo lugar do ranking mundial e a apresentar-se como sério candidato ao título. Em 2009, o mundo começa a ouvir falar do Gabriel Medina, e do seu desempenho devastador no Quiksilver King of the Groms 2009 em Hossegor, França. Ainda hoje me recordo de estar a ouvir o Nuno Jonet (que estava a fazer a locução deste evento) a brincar com o Medina de que este tinha de “melhorar um 10”, pois este já tinha dois 10s e surfava com uma garra tal que parecia querer mais um 10. Já ninguém tinha dúvidas de que era apenas uma questão de tempo até haver um primeiro campeão do mundo brasileiro, e que este seria o Medina. E assim aconteceu. Medina conquista o primeiro título mundial em 2014, seguido em 2015 pelo Adriano de Souza. De 2014 até este ano, os surfistas brasileiros já conquistaram seis títulos mundiais. E o mais provável é que um deles vença o título deste ano (para além de serem os favoritos para a medalha de ouro no Japão daqui a duas semanas).

Nota : neste artigo só se aborda o surf masculino, pois no surf feminino há mais equilíbrio entre as candidatas ao título, embora também aqui encontremos uma surfista brasileira a lutar pelo título, a Tatiana Weston-Webb.

 

A expansão da audiência global do Surf Profissional:


Estes enquadramentos são importantes para abordar o essencial da tese deste artigo da Stab, que  é a expansão da audiência global do surf profissional graças aos surfistas brasileiros.

Embora a WSL não publique os seus estudos de audiência, o autor, recorrendo à informação disponível nos “live feeds” do Facebook e Youtube, conclui que o “webcast” em língua portuguesa registará cerca de dois terços da audiência total dos “webcasts” (o outro terço corresponderá ao “webcast” em língua inglesa”). Não há dados públicos que permitam-nos aferir se esta proporção é produto de um crescimento sustentado da audiência de língua portuguesa. No entanto, é possível intuir que houve um crescimento significativo desta audiência, visível na enorme popularidade do Gabriel Medina no Brasil, que se estenderá aos outros surfistas, como o Filipe Toledo e o ítalo Ferreira. E é indispensável contar com o incremento de interesse do público português que acompanha o Frederico Morais.

 

 

O sucesso Brasileiro afastará o público Australiano e Norte Americano? :

Mas a proporção referida acima será também produto de uma quebra nas audiências de língua inglesa ? Não temos qualquer informação que nos permita aferir isso. Mas há essa preocupação de que os sucessos brasileiros empurrem os públicos australiano e norte-americano a afastar-se do World Tour.

Como o Matt Biolos (shaper, dono de uma das maiores marcas de pranchas do mundo) afirma neste artigo : “ O sucesso do “Brazilian Storm” [esta tempestade de sucessos brasileiros] permitiu diversificar a audiência dos campeonatos, trazendo mais fãs vindos da América do Sul (..) Fez do surf um desporto realmente global”. Mas também refere a reticência  das marcas australianas e norte-americanas em continuar a sustentar financeiramente o circuito mundial profissional, receosas de que os seus clientes se estejam a afastar desse circuito : “Creio que os brasileiros podem trazer mais olhos para o lado desportivo do surf (..)Pessoalmente, não tenho dúvidas que se surfistas de língua inglesa fossem dominantes, o dinheiro acompanhá-los-ia”.



A preocupação é legítima, mas terá razão? Em 2019 , em conversas de bastidores, falava-se de que os dois campeonatos do circuito mundial mais rentáveis para a WSL seriam os de Portugal (Peniche/Supertubos) e Brasil (Saquarema), graças aos fortes patrocínios de marcas exteriores ao surf (nomeadamente de marcas de telecomunicações). A entrada de novas marcas exteriores ao mundo circunscrito do surf pode ser assim uma consequência virtuosa da maior globalização do surf profissional bem como da menor dependência dos mercados australiano e norte-americano.

Outro benefício que o “Brazilian Storm” pode trazer para a evolução do surf profissional é o de mostrar que outros países e regiões do mundo podem um dia vir a ter campeões do mundo. Como o Francisco Spínola, Chief Executive Officer da WSL para a Europa e África, refere : “Quem sabe se num futuro próximo, com trabalho duro e apoios adequados, haverá surfistas europeus a lutar por títulos mundiais”.

Será o “Brazilian Storm” o “Bustin Down the Door” do século XXI ? Em que a porta dos títulos mundiais estará aberta a surfistas vindos de outras paragens do mundo ? Porque não um futuro campeão do mundo indonésio ? Ou costa-riquenho ?

 

Um processo que exigiu dedicação, empenho e apoios sustentados:


Este processo exige dedicação, empenho e apoios sustentados. O actual domínio brasileiro do surf profissional não foi criado por geração espontânea. Foi o culminar de uma evolução que começou nos anos 70 com surfistas como o Pepê Lopes e Rico de Souza. Prosseguiu nos anos 80 e 90 com o Fábio Gouveia, o Teco Padaratz e outros. Na passagem do milénio com surfistas como o Victor Ribas e o Peterson Rosa.

Sim os campeões do mundo brasileiros beneficiam o sucesso do surf profissional:

Podemos então concluir que sim, que os campeões do mundo brasileiros beneficiam o sucesso do surf profissional, e consequentemente da própria WSL. Esta, como o autor refere na sua conclusão, deve por sua vez investir em chegar às audiências de língua portuguesa, nomeadamente nos “webcasts”.

Em nota pessoal, sinto-me assustado pelos 380 milhões de pessoas interessadas em surf por todo o mundo, segundo as contas do Erik Logan, Chief Executive Officer da WSL) – espero que elas gostem de acompanhar o surf competitivo, que comprem os produtos dos patrocinadores, mas que não façam surf  (ou pelo menos, que o façam em piscinas…).

 

*Por Pedro Quadros

 

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