JOÃO GUEDES E A NAMIBIA, NA PRIMEIRA PESSOA segunda-feira, 12 setembro 2016 19:40

JOÃO GUEDES E A NAMIBIA, NA PRIMEIRA PESSOA

O local é incrivelmente inóspito onde para além de outros jeeps de surfistas com o mesmo objectivo que nós os únicos locais são os chacais e as focas que ali vivem.

 

Por João Guedes:

 

"A Namíbia como muitos sabem está na rota do surf desde 2009 quando foram publicadas as primeiras imagens desta onda que foi descoberta através do Google Earth.

Desde então surfistas de todo o mundo ambicionam surfar aquela que é muito provavelmente a onda mais comprida e tubular que existe à face da terra.

Devido ao facto de ser muito pouco consistente, pois só funciona em condições muito específicas, o acesso e indicações também não são os mais simples o que faz com que esta onda seja das mais cobiçadas e ao mesmo tempo das mais difíceis para um surfista ter acesso. Exige todo um trabalho de estudo não só de direções e tamanho de swell, ventos e até pesquisa nos mapas e GPS de como lá chegar.


Trabalho esse que já estava a ser feito pelos meus amigos Nuno Cardoso "Nunito" e Vasco Lazaro há mais de dois anos.
Já tinham sido dado outros calls mas que por diversas razões infelizmente não tínhamos conseguido levar avante esta expedição até que começou a surgir este swell nos mapas e que correspondia com as condições ideais para que aquele fenómeno acontecesse, o que nos pôs logo em alerta.
Aproveitando também o facto de todos os elementos do grupo estarem com toda a disponibilidade e vontade para esta aventura, decidimos dar o call e ir atrás deste sonho que tínhamos em comum.



O grupo era composto por mim e António Silva, de surf. Vasco Lazaro e Nunito de bodyboard.
Eu ainda estava em França nos campeonatos quando tudo isto começou. As competições estavam a correr bastante mal e ao ver que realmente esta missão estava prestes a acontecer não hesitei em meter-me no carro e arrancar para Portugal para começar a preparar a partida.
 Depois de bastantes telefonemas, mensagens e e-mails conseguimos ter tudo pronto para arrancar, o bilhete de avião foi a última coisa a ser tratada para termos a certeza que o clima do deserto e os inconsistentes sweis de sul não nos trocavam as voltas á última da hora.

Saímos de Lisboa dois dias antes do swell e dezassete horas depois estávamos a aterrar em  Windhoek, capital da Namíbia. As pranchas chegaram no nosso voo, portanto a viagem estava a correr bem e cinco horas depois estávamos a chegar a Walvis Bay, a cidade que fica aproximadamente a 30 minutos da onda.
Chegamos de noite por isso foi chegar e dormir mas já tinha dado para concluir que a Namíbia, país que eu desconhecia até então, era o mais desenvolvido e limpo onde eu já tinha estado em toda a África.


O primeiro dia de swell como já era previsto, só começou a dar ar de sua graça ao final da tarde mas não foi por isso que deixamos de acordar de madrugada e irmos directos à procura daquele braço de terra onde a onda percorre uma distância de quase 2km tubulares.

O local é incrivelmente inóspito onde para além de outros jeeps de surfistas com o mesmo objectivo que nós os únicos locais são os chacais e as focas que ali vivem.
No final deste primeiro dia já tinha dado para sentir a onda, que apesar de não estar com mais de meio metro já era consideravelmente comprida e tubular deixando-nos ainda mais em êxtase com aquilo que poderia vir a ser o nosso dia seguinte.

Confesso que foi difícil de adormecer dada a emoção com que estava, o que fez com que tivesse tido um noite bastante curta pois acordámos ainda de noite e fizemos-nos logo à estrada para aquela que seria das melhores experiências que tive de surf até hoje.

Ainda estávamos longe e já víamos por cima dos montes de areia algumas espumas que passavam simetricamente alinhadas, era certo que o swell tinha entrado e que a missão estava a ser bem sucedida.
À chegada o cenário era inacreditável. A onda percorria todos os seus 2km de extensão onde não era possível visualizar o início e o fim da onda, mas tudo o que víamos era mais que suficiente para não acreditar no que os meus olhos viam. Ondas com cerca de 1,5m de forma redonda e oca percorriam toda a bancada de uma forma tão alinhada que nada as diferenciava umas das outras.

 

João Guedes | Namíbia | DEEPLY from João Guedes on Vimeo.


Meio desorientado sem saber se apreciava aquele visão ou se me vestia e atirava para dentro de água comecei a fazer um pouco das duas coisas em simultâneo e 10minutos depois estava a caminhar até ao início da onda para começar á andar num verdadeiro carrossel de surf.

Passamos o dia na água onde entre longas caminhadas do final da onda até ao início, seguido de uma remada contra um corrente impossível de superar, viagens tubulares e muito tempo em pé na prancha poucas vezes nos cruzamos entre nós e sempre que isso acontecia o ar de espanto daquilo que estávamos a viver notava-se à distância.


Foram nove horas seguidas nesta maratona que partilhamos entre nós e outros surfistas das mais variadíssimas partes do mundo que ali se tinham deslocado propositadamente para a mesma experiência que nós.
O ambiente dentro e fora de água era muito positivo, todos se respeitam, cumprimentam e vibram sempre que alguém passa num daqueles comboios aquáticos. As focas nadam á nossa volta e de vez em quanto também aproveitam para apanhar umas ondas,muitas vezes partilhadas com surfistas.

Escusado será dizer que no final do dia ninguém consegue sequer mexer-se ao longo daqueles 2km. Vê-se surfistas a arrastarem as pranchas pela areia com um ar de cansaço extremo mas nem assim querem se dar por derrotados e perder a oportunidade de dar mais uma volta naquele carrossel.
Depois de muitas ondas, muitos kms a andar a pé, mais umas quantas milhas de tubos no passaporte e um pôr do sol Africano estava na hora de voltar para casa com o sentimento de dever cumprido e mais importante que isso, com um sonho de anos realizado. Altura certa para beber uma grande cerveja, comer um excelente beef e cair na cama praticamente morto.
O terceiro dia começou da mesma forma que o anterior mas infelizmente,como era previsto, o swell já não estava a mesma coisa e o vento também não era tão favorável. Ainda insistimos em ver o que acontecia mas passado algumas horas de espera percebemos que não ia-mos ter a mesma sorte que o dia anterior. Aproveitamos então para visitar um pouco daquele local que não tem mais do que grandes dunas de areia, planícies desertas e uma fauna que varia entre focas, chacais, alguns répteis, flamingos, golfinhos e fala-se também em grandes tubarões que graças a Deus foram os únicos que não conseguimos ver. O povo local é muito simpático e acolhedor fazendo-nos sentir em casa todos os dias. E assim acabou esta missão de 5 dias a um dos locais mais inóspitos e curiosos do mundo do surf.


Fica aqui um grande agradecimento aos meus amigos Vasco e Nunito por terem tornado está viagem possível depois de tantos anos a ambicionar e a todo o grupo pela companhia durante toda a viagem."

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