Treinador Rodrigo Sousa Treinador Rodrigo Sousa sexta-feira, 29 abril 2022 16:22

Rodrigo Sousa: "É muito difícil pagar uma carreira internacional com adereços de moda"

Entrevista exclusiva com o treinador de duas atletas que estão em 2º lugar no ranking europeu

 

Rodrigo Sousa viu partir as suas atletas Mafalda Lopes e Francisca Veselko rumo à Australia para competirem no escalão que antecede a elite mundial. A elas, que encabeçam o topo do ranking dos QS Europeu, juntou-se a campeã europeia Teresa Bonvalot e fez-lhe ainda companhia Yolanda Hopkins, cuja prestação valeu-lhe um 8º lugar e, consequentemente, uma vaga nos Challenger Series.

Por trás destes nomes gloriosos, que escancararam a porta das possibilidades e são elucidativos do auge do surf feminino nacional, há outros que ajudam a escalar a montanha e contribuem para o sucesso. Um sucesso que acaba por ser português já que transportam consigo para solos estrangeiros o nome nacional. Neste sentido, falámos com o treinador Rodrigo Sousa para perceber a que se deve esta evolução e o que mudou.

Apesar da fase de triunfo entre as mulheres, por contraste à categoria masculina cujos resultados internacionais não se registam de forma tão animadora, ainda há muita coisa a fazer para que o modo como o surf feminino é encarado acompanhe este boom. Quem o diz é o próprio treinador que com a sua visão otimista acredita que estes lados negativos, deram lugar a uma geração atual feminina resiliente e determinada.

 

Rodrigo Sousa com a atleta Mafalda Lopes

 

P: O ranking feminino europeu é dominado por portuguesas, assiste-se a um boom no surf feminino. Enquanto treinador já de longa data, o que é que mudou? São as próprias atletas, são novos métodos e estratégias?

R: Para bem dos progresso português, acredito que muito tenha mudado. Naturalmente que as atletas mudaram, tal como tudo à sua volta. Hoje em dia estão rodeadas de profissionais de cada área, coordenados entre si, para que estejam mais preparadas para todos os desafios. As estratégias são, também, actualizadas constantemente de acordo com as realidades.

 

 

"Ainda se encara [o surf feminino] com alguma indiferença"

 

 

 

P: A forma como o surf feminino está a ser encarado acompanha esta evolução de performance?

R: Acho que não. O boom feminino foi, de facto, muito grande mas ainda se encara o mesmo com alguma indiferença. Talvez por causa desses mesmos obstáculos é que o surf feminino se tornou mais resiliente, aguerrido e determinado.

 

P: O que é que falta fazer na indústria do surf feminino português?

R: Muita coisa. Continuamos à espera do caixote de roupa no início de cada estação e é muito difícil pagar todo o trabalho que uma carreira internacional exige, com adereços de moda. Há muita dinâmica que falta para beneficiar as nossas atletas, tal como promover o contacto delas com as melhores atletas do mundo quando cá vêm aos nossos campeonatos internacionais, por exemplo.

 

 

Rodrigo Sousa com a atleta Francisca Veselko

 

P: Tens alguma opinião para o facto do ranking europeu masculino ser monopolizado por franceses e, por outro lado, alguma possível razão para o facto de não haver portugueses qualificados para os Challenger Series (excepto o Vasco Ribeiro)?

R: Podem ser vários factores e é difícil atribuir a causa a um deles. Os franceses de topo são mais sérios, trabalhadores e passam muitas horas na água. Acordam mais cedo, reúnem melhores condições financeiras, saiem frequentemente das suas zonas de conforto e têm uma cultura de surf diferente da nossa. Ou pode ser apenas uma geração melhor que a nossa... para já.

 

P: Qual é a estratégia para os Challenger Series? Difere dos QS (Qualifying Series)?

R: Desde que sou treinador, trabalho para os grandes momentos. Sempre fui apaixonado pelo “go big or go home” o que, apesar de maior risco, a recompensa é maior. A estratégia da Kika e da Mafalda nunca passa por jogar a feijões, ou seja, campeonato regional ou mundial, o objetivo é sempre ser o melhor delas. Sabemos que o nível é substancialmente maior mas trabalhamos todos os dias para isso e estamos preparados para assumir a responsabilidade das nossas prestações, sejam elas para corrigir ou ser ainda melhores.

 

 

"A curto prazo é preciso mudar a mentalidade. Encarar a carreira de atleta com maturidade"

 

 

Treinador Rodrigo Sousa | Créditos de imagem: André Pinto

 

P: Em relação à geração mais nova que está agora a começar nos estágios da seleção e nos pro-júniores, também se vê uma tendência para evolução do surf feminino como se viu com estas mais velhas?

R: O meu grupo é com atletas um pouco mais velhos ou nos seus últimos anos como juniores. Não estou totalmente a par das novas gerações mas vou vendo os destaques. Ainda é cedo para prever o futuro do surf feminino português mas a fasquia internacional está muito alta.

 

P: O surf masculino português não tem mostrado resultados tão promissores nos últimos tempos. É preciso chegar uma nova geração ou a que está agora atual e a emergir conseguem contornar eles próprios a situação?

R: Já estamos atrasados nesta geração. Contar apenas com o Vasco é muito muito pouco, dadas as condições geográficas, profissionais e talento que temos. A curto prazo é preciso mudar a mentalidade. Encarar a carreira de atleta com maturidade como fazem as nossas quatro representantes femininas nos Challengers. De uma vez por todas, encarar os adversários difíceis como uma oportunidade para lhes ganhar e não como um obstáculo que nos complica o caminho. O nosso grande exemplo deste confronto sem medos é o Kikas.

Por Catarina Brazão & Maria Kopke

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